(Ransom)
Videoteca do Beto #144
Dirigido por Ron Howard.
Elenco: Mel Gibson, Rene Russo, Gary Sinise, Delroy Lindo, Liev Schreiber, Lili Taylor e Brawley Nolte.
Roteiro: Richard Price e Alexander Ignon.
Produção: Brian Grazer, B. Kipling Hagopian e Scott Rudin.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Poucas situações devem ser mais desesperadoras do que aquela que move “O Preço de um Resgate”. Por isso, é uma pena constatar que Ron Howard e sua equipe falhem ao não explorar todas as possibilidades oferecidas pelo tema abordado, ainda que, dramaticamente, o diretor consiga provocar impacto, baseando-se essencialmente nas ótimas atuações de seu elenco. O resultado é um filme eficiente que, nas mãos de um diretor um pouco mais ousado, poderia ser um complexo estudo sobre os efeitos trágicos que tal situação pode provocar em uma família.
Escrito a quatro mãos por Richard Price e Alexander Ignon (baseado no filme “Decisão Amarga”, de 1956), “O Preço de um Resgate” nos apresenta Tom Mullen (Mel Gibson), o milionário dono de uma companhia de aviação que tem o filho Sean (Brawley Nolte) sequestrado num evento na cidade e se vê obrigado a pagar os dois milhões de dólares exigidos pelos criminosos em troca do resgate do filho. Apoiado pela esposa Kate (Rene Russo) e sob a orientação do agente Lonnie (Delroy Lindo), ele decide seguir as orientações, mas devido à inesperada interferência do FBI, a operação falha e culmina na morte de um dos bandidos, levando à ira o mentor do sequestro Jimmy Shaker (Gary Sinise). Pai e sequestrador passam então a discutir por telefone com frequência e, com os ânimos elevados, Mullen começa a agir de maneira completamente irracional.
Apresentada inicialmente como uma família feliz e bem sucedida, os Mullen (como toda família, aliás) também escondem seus problemas sob aquela fachada de riqueza e prosperidade escancarada em sua vistosa mansão (design de produção de Michael Corenblith), o que é bom, pois aproxima a família do espectador. Neste sentido, aliás, é ótimo que o roteiro evite transformar o longa numa disputa entre mocinho e bandido, driblando o maniqueísmo e a santificação de Tom logo de cara através de seu problema com Jackie Brown. Fugindo de clichês básicos através de pequenos detalhes (repare, por exemplo, que a primeira ligação após o sequestro não é do sequestrador), os roteiristas anunciam gradativamente que a narrativa tomará um caminho diferente do usual, preparando o espectador para o que virá pela frente após o sequestro do garoto. Vale notar ainda como, ainda que apenas superficialmente, o roteiro aborda temas adjacentes interessantes, como o comportamento nada racional da imprensa nestas situações.
Preparando a plateia para o sequestro desde os primeiros minutos de projeção, Ron Howard faz questão de ressaltar num plano detalhe a tatuagem no pescoço de uma garçonete durante o evento que abre o longa, da mesma maneira que faz com um dos sequestradores enquanto este prepara o cativeiro. Assim, quando vemos a mão tatuada pegando um copo acompanhada pela trilha sonora sombria (e clichê!), já sabemos que os criminosos estão presentes no parque, iniciando o sequestro que se confirmará num movimento de câmera interessante, no qual num instante estamos acompanhando Sean andando pelo parque e, após a câmera passar por trás de uma pilastra, já não vemos mais o garoto. Além de demonstrar de maneira eficiente o drama dos pais neste momento, o diretor também acerta na tensa sequencia da entrega do dinheiro, contando com o auxilio da montagem dinâmica de Dan Hanley e Mike Hill para imprimir um ritmo intenso que deixa a plateia em frangalhos, reforçada pela trilha acelerada de James Horner. Mas, se acerta no tom de urgência empregado nos momentos de tensão, Horner cai num velho clichê ao utilizar o rock pesado para embalar as ações dos sequestradores, esvaziando seu trabalho na composição da trilha sonora.
Através das cores frias da fotografia de Piotr Sobocinski e dos figurinos de Rita Ryack, Howard cria um visual acinzentado que ajuda a manter o tom sóbrio exigido pela narrativa. Por outro lado, o diretor aposta no uso frequente do zoom in e do zoom out para realçar as reações dos atores, transmitindo a atmosfera de tensão que é complementada pelo movimento agitado da câmera em diversos momentos, como quando os sequestradores entram em contato com os pais do garoto. O diretor ainda reflete bem a angústia que as horas representam para qualquer pai que enfrente esta situação, mostrando-o prostrado diante do telefone, como se implorasse pela chamada que determinaria as condições exigidas pelos criminosos para acabar com aquele pesadelo.
Funcionando como um porto seguro para aqueles pais desesperados, o agente Lonnie de Delroy Lindo é obrigado a andar no fio da navalha, tentando equilibrar todos os lados daquela equação. Demonstrando autoridade quando preciso, mas também sabendo ser compreensivo nos momentos mais delicados, o agente se sai bem na difícil tarefa e o ator é responsável direto por isso. Entretanto, para que esta situação funcione dramaticamente, é essencial que o espectador acredite que o garoto corre perigo de fato e, por isso, é fundamental que os sequestradores surjam falando abertamente em matar o garoto, deixando claro que aqueles criminosos representam uma ameaça real. Por outro lado, os conflitos entre os sequestradores são essenciais para que a reviravolta provocada pela oferta de Tom tenha algum efeito na plateia, já que, desta forma, nós acreditamos que uma recompensa milionária poderia provocar o desequilibro daquele grupo pouco homogêneo.
Surgindo inicialmente como um policial interessado no comportamento de um suspeito numa loja, Jimmy Shaker invade a casa e revela sua participação no sequestro, pra surpresa da plateia. Exibindo um ar ameaçador convincente, Gary Sinise impõe respeito como o mentor do sequestro, demonstrando a autoridade esperada de um líder e, o que é ainda melhor, evidenciando o desequilíbrio que as atitudes de Tom causam no personagem, como notamos, por exemplo, logo após o anúncio da recompensa que o deixa transtornado. A presença imponente de Sinise é essencial também para que Gibson não ofusque o sequestrador com suas explosões, já que o espectador, ainda que inconscientemente, carrega na memória a persona cinematográfica do ator, normalmente associado a heróis que enfrentam a tudo e a todos para conseguirem o que querem.
Demonstrando uma química também já conhecida pelo público desde “Máquina Mortífera 3”, Gibson e Russo convencem como casal, demonstrando afinidade e cumplicidade na mesma intensidade em que enfrentam seus problemas, o que é natural em qualquer relacionamento. Entretanto, as atuações de ambos ganham força mesmo após o sequestro, quando ilustram muito bem o drama dos pais e os conflitos entre o casal que as circunstâncias naturalmente evocam. A partir deste instante, praticamente podemos sentir a dor de Kate graças ao ótimo desempenho de Russo, sempre com o olhar expressivo e desesperado que qualquer mãe lançaria nesta situação. Gibson, por sua vez, parece sempre prestes a explodir, algo também natural na condição dele. Pra completar, a conversa inicial entre Tom e Sean na cama logo após o evento inicial serve para demonstrar a afinidade entre eles e criar empatia com a plateia, o que é essencial para aumentar o impacto que a cena do sequestro naturalmente já provocaria.
Por tudo isso, nós não nos surpreendemos quando Tom, ao ver as imagens do filho numa televisão, decide mudar o jogo e inverter a situação – e a expressão no rosto de Gibson permite que a plateia antecipe seus pensamentos, num momento em que não sabemos pelo que torcer, já que esta atitude ousada poderia colocar em risco a vida de seu filho. Com a voz firme, o olhar frio e o coração cheio de ódio, o pai desesperado anuncia que o resgate agora seria uma recompensa paga a quem trouxer o sequestrador “vivo ou morto”, dividindo opiniões não apenas no ambiente diegético (repare os olhares das pessoas que acompanham o anúncio no estúdio), mas também na plateia. Se por um lado aquele ato poderia significar a desestabilização completa do grupo de sequestradores, por outro poderia definir a morte de seu filho – algo que, convenhamos, é um risco que pai algum no mundo gostaria de correr. Pode até funcionar no filme, mas está bem distante da realidade. Ciente disto, Howard faz questão de inserir imagens da cova sendo preparada para Sean logo após o anúncio, criando um conforto artificial no espectador ou, em outras palavras, manipulando nossa visão do tema ao aliviar a loucura cometida por Tom (o que é uma pena, pois esvazia completamente a discussão que a cena poderia gerar). É como se o diretor e os roteiristas dissessem: “Está tudo bem, eles iam matar o garoto de qualquer jeito”.
Com este cenário de tensão montado, chegamos ao grande momento de “O Preço de um Resgate”, quando sequestrador e pai discutem ao telefone e levam o publico a pensar que Sean foi morto. Demonstrando o desespero do pai de maneira tocante, Gibson se destaca na cena, indo da ira ao desespero e às lagrimas em segundos, seguido de perto pela explosão de Russo (e a distancia pela ira de Sinise), numa cena dramaticamente densa que, infelizmente, é quase destruída graças a um plano rápido que revela que Sean está vivo. Infelizmente, Howard não teve coragem de estender mais o suspense, o que poderia suscitar reflexões interessantes na plateia. Ainda assim, o diretor (e os montadores) se sai bem ao criar um clima tenso através da troca rápida de planos, encerrando a cena num belo plongè que diminui o casal e ilustra sua tristeza, embalado pela trilha melancólica.
A discussão, reforçada pelo aumento da recompensa, leva os sequestradores ao desequilíbrio total. Esperto, Shaker decide então eliminar o grupo e sair como herói, numa saída inteligente que poderia elevar “O Preço de um Resgate” a outro patamar. Só que, mais uma vez, Howard e seus roteiristas demonstram covardia e optam por encerrar o longa da maneira convencional, apostando no velho confronto entre mocinho e bandido, ainda que, para isto, nos entreguem outra grande cena, quando o garoto escuta a voz de Shaker e, através da troca de olhares com o pai, indica estar diante do criminoso.
Abordando um tema delicado e de alta carga dramática, “O Preço de um Resgate” flerta com a possibilidade de ser um grande filme, mas escorrega sempre que depende de escolhas mais ousadas de seus realizadores. No fim das contas, temos um filme tenso e razoavelmente bem conduzido, mas que acaba fugindo um pouco da realidade e tornando-se apenas um bom entretenimento, ainda que as atuações centrais sejam dignas de aplausos.
Texto publicado em 02 de Dezembro de 2012 por Roberto Siqueira
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